terça-feira, 30 de março de 2010

nota de jornal 2

A partir da leitura da nota de jornal 1, post anterior, o psicanalista Contardo Caligaris fez uma reflexão também publicada na Folha de S. Paulo de 25/03/2010:

Injeções de Obediência

NA SEMANA PASSADA, em Piracicaba (SP), Josiane Ferraz, 31 anos, acorrentou o filho à cama. Foi o jeito que ela encontrou para conter seu menino, de 13 anos, usuário de crack.

Sem grande esforço de memória e de pesquisa, lembro-me de que, faz um ano, em Cuiabá (MT), Neves e Cleuza de Souza acorrentaram seu filho de 13 anos, viciado, violento e incontrolável. Dois ou três anos atrás, um caso análogo aconteceu em Porto Alegre (RS), com um menino de 11 anos, também usuário de crack. Nos três casos, os pais procuraram ajuda: consultaram o Conselho Tutelar de sua cidade, dirigiram-se aos serviços públicos de saúde mental ou pediram a intervenção da polícia. Eles, simplesmente, não sabiam mais a que santo recorrer.
Neves de Souza, explicando sua decisão de acorrentar o filho, disse que "foi desespero". Josiane Ferraz, na semana passada, disse a mesma coisa: "É triste, mas é desespero de mãe de ver o filho nesse estado e agressivo a ponto de falar que vai matar a gente".

O medo de Josiane não é exagerado. Além de quebrar a casa na exasperação e na raiva, além de roubar tudo que possa ser vendido ou trocado por crack, os jovens viciados podem matar. Em novembro do ano passado, em Rincão dos Ribeiros (RS), um neto matou o avô com um golpe de faca de cozinha no pescoço. O neto tinha 21 anos, e o avô, 88. O neto pediu dinheiro, o avô negou.

É isso que aconteceu nos casos dos quais me lembrei, e é isso que acontece em inúmeros outros, que não chegam às páginas de crônica: os pais dizem não, mas, para os jovens, as vontades e as palavras dos pais são vontades e palavras quaisquer, sem autoridade própria.

"Você não vai sair, hoje." "Ah, é? Vou sair, sim, seu babaca, e ainda pego sua grana." Um pai vigoroso enfrenta o filho; uma mãe tenta acorrentá-lo enquanto dorme. Em ambos os casos, a relação entre pais e filhos se transforma em luta de braço, e os pais se desesperam de ser pais.

O que faz com que a gente reconheça a autoridade dos pais sem que ela tenha que se impor pela força? Respostas possíveis: a dívida com quem nos engendrou, o amor por quem nos amparou, o respeito pela experiência e pela suposta sabedoria dos mais velhos etc.

Agora, por que esses argumentos podem nos parecer estranhamente piegas? Simples: eles só fazem sentido num contexto social e cultural em que parecesse normal que condutas humanas não fossem orientadas nem por interesse nem pela coerção exercida pela força, mas por valores -ou seja, eles fazem sentido num mundo, por exemplo, em que a lei, para ser respeitada, não dependesse apenas da polícia. Esse não é bem nosso mundo.

E não pense que os pais recorram à força apenas em casebres insalubres e em casos extremos de filhos viciados além da conta. A tentação (ou mesmo a necessidade) de recorrer à força surge a cada vez que o afeto e as palavras são insuficientes para que os pais sejam ouvidos. Os pais arrancam a tomada do computador, escondem o celular, garantem que não abrirão a porta se os filhos chegarem depois de uma certa hora -sem contar aqueles momentos (mais frequentes do que a gente gosta de admitir) em que, de fato, pais e filhos se encaram, a um dedo do enfrentamento físico. E há outras formas de violência, mais "limpas".

A revista "Science" de 19 de março (327: 1515-1518) publicou uma pesquisa de Sheryl Smith e outros, que foi apresentada no caderno Ciência da Folha de 19/3 e que mostra o seguinte: para camundongos na puberdade, aprender é mais difícil do que para camundongos pré-púberes. Tudo indica que um receptor celular específico é responsável pela cabeça-dura dos camundongos adolescentes, e, presumivelmente, dos adolescentes humanos.

Quem sabe, supõe Smith, esse receptor tenha sido útil, ao longo da evolução, para que os adolescentes saíssem de casa e se tornassem independentes. Mas, hoje, o tempo de preparação para a vida adulta se estende à perda de vista e, com a convivência prolongada de pais e filhos, o receptor se tornou incômodo. Que tal inventar uma droga que silencie o tal receptor e torne nossos adolescentes tranquilos, atentos e obedientes como crianças? Se ela for possível, essa droga será inventada, patenteada e usada largamente. Não será mais preciso acorrentar meninos e meninas. Mas, no essencial, não mudará absolutamente nada. Continuaremos impondo a autoridade como violência real -em vez da corrente, a injeção ou o comprimido.

fonte

Atividade proposta


Elabore uma reflexão: o que faz Contardo Caligaris a partir da noticia sobre a "cabeça dura" dos adolescentes? De que modo ele usa a pesquisa em seu texto? Ele faz alguma associação entre violência, obediência, ciência e autoridade? Explique sua resposta em até uma p
ágina.





Nota de jornal 1


19/03/2010 - 08h33

Grupo explica "cabeça dura" de adolescente

RAFAEL GARCIA
da Folha de S. Paulo

É comum ouvir a piada de que a cabeça dura dos adolescentes é uma doença sem cura e que o único jeito de pais lidarem com esse problema é esperar que os filhos cresçam e aprendam a ouvir os outros.

Um grupo de cientistas nos EUA, porém, acaba de anunciar a descoberta do mecanismo celular que afeta a capacidade de aprendizado na puberdade e mostrou como uma droga é capaz de reverter o processo.

O fenômeno, por ora, foi demonstrado apenas em camundongos, num experimento que submeteu roedores adolescentes a tarefas de aprendizado.

Em estudo na edição de hoje da revista "Science", cientistas liderados por Sheryl Smith, da Universidade do Estado de Nova York, ligam o problema dos roedores "teens" a uma proteína específica, a alfa4-beta-delta.

Essa molécula é um receptor celular. Ela atua como uma "fechadura" bioquímica que fica na superfície da célula e a faz reagir de determinada maneira, de acordo com a presença ou ausência de certa substância: a "chave" que se liga ao receptor.

Os americanos mostraram que o receptor estudado por eles prolifera durante a puberdade no hipocampo, região cerebral crucial para o aprendizado.

Cientistas já sabiam que a puberdade afeta a capacidade de aprender. Em humanos, a memória linguística e aquela que usamos para mapear o espaço a nossa volta ficam prejudicadas.

O melhor período para os pais ensinarem as coisas mais básicas às crianças, por isso, é antes dos 10 ou dos 12 anos, quando a puberdade começa a produzir alterações em meninas e meninos.

"Nos primórdios da humanidade, ou quando éramos simples animais, o período anterior à puberdade era aquele em que efetivamente aprendíamos com nossos pais coisas como arranjar comida, encontrar o caminho para casa e habilidades básicas", afirma Smith.

Ela defende a tese de que a mente evoluiu para equipar indivíduos que deixavam o núcleo familiar ainda no início da adolescência, já em busca de parceiros para constituir família.

Nesse contexto, a dificuldade de aprender com os pais estimularia outros tipos de aprendizado. "Não queremos mais isso, mas as coisas evoluíram para isso", afirma Smith.

Obediência química

Com suas cobaias, ela mostrou como uma dose extra do esteroide THP, um hormônio ligado ao estresse e à motivação, pode reverter o deficit de aprendizagem.

Administrando a droga no hipocampo dos animais, ela fez com que eles voltassem a aprender bem. Smith, porém, discorda da ideia de que a puberdade seja um "problema" que requer ser tratado.

"Não seria uma boa ideia tratar crianças ou adolescentes em geral com uma droga assim, mas algumas crianças têm mais dificuldade de aprender, e nelas o deficit de aprendizagem da puberdade é pior", explica.

Uma droga poderia ajudar nesses casos, diz a pesquisadora, mas o THP não seria adequado. "O ideal seria desenvolver uma droga mais seletiva para a alfa4-beta-delta, pois o THP afeta muitos outros receptores."

Uma questão ainda em aberto, porém, é se uma droga assim não correria o risco de cair na mesma controvérsia que os medicamentos para crianças com deficit de atenção enfrentam hoje.

Alguns psiquiatras acusam colegas de receitarem a droga ritalina para crianças normais apenas por comodidade dos pais e professores, pois o fármaco costuma deixar as crianças mais quietas.

Smith critica essa conduta. Segundo ela, formas amenas de estresse que deixam a criança motivada, e não acuada, causam liberação natural de THP no cérebro. "A motivação para melhorar seria o melhor modo de abordar o deficit de aprendizagem na puberdade", afirma.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u709117.shtml

Atividade proposta

Depois de ler a nota de jornal 1 e o trecho do "Convite à Filosofia", tente lembrar-se da aula e relacione o tema de que trata a nota 1 e os ramos da filosofia. (Entregar por escrito- entre uma e duas paginas).