terça-feira, 31 de maio de 2011

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Liberdade ou Determinação?

O texto a seguir apresenta uma concepção diferente daquela da filosofia existencialista de Sartre ("O homem é liberdade"). O autor discute sobre o determinismo, a vida determinada pelos nossos genes.


“O sentido da vida”, por Francisco Daudt

Do ponto de vista da mãe natureza, já nascemos com o sentido da vida, embutido em nossos softwares cerebrais, completamente pronto.

Dizem os genes masculinos aos seus portadores: "Procrie com o maior número de mulheres possível, escolhendo as mais belas, dóceis, inteligentes e atenciosas com as crias.

Dê alguma atenção e ajuda a elas para que suas crias não sejam prejudicadas, mas nada que o impeça de partir para a próxima.

De preferência, tenha um harém bem cuidado por eunucos (você não vai querer criar filhos de outros, claro) e vá incorporando novas mulheres pelos mesmos critérios. Para isso, você precisa se preparar: torne-se belo, forte, alto, inteligente, mas, sobretudo, rico e poderoso. Lidere guerras que possam tomar do inimigo suas posses e mulheres, pois isso o enriquecerá e encherá seu harém (um sultão do século 19 teve 840 filhos, um exemplo de homem comandado por seus genes).

Se a política do país o obrigar à monogamia, drible-a sendo um polígamo seriado: você tem dinheiro para sustentar oito ex-esposas e suas crias e você tem tempo para isso, já que os homens não envelhecem. Podem seguir acumulando dinheiro e poder e são férteis até a morte".

Dizem os genes femininos às suas portadoras: "Procrie o mais que puder com os homens mais belos, fortes, inteligentes, agressivos, mas, sobretudo, ricos e poderosos. Se possível, case-se com um deles e cuide para que ele a prestigie e dê garantias de provimento para você e suas crias, pelo maior tempo possível.

Se você não conseguir um 'topo de linha', pode se casar com um 'mais ou menos': você pode se oferecer e procriar com o patrão dele, sem que ele saiba, e colher genes poderosos para suas crias, desde que a aparência delas não seja testemunha da sua traição. Prepare-se: comece cedo. Você não tem muito tempo, e juventude é seu maior cacife.

Procure ser bela e parecer recatada: isso aumenta seu preço de compra e ilude o homem com presumida fidelidade. Não conseguindo ser bela, você pode ser oferecida, mas procure parecer bela, usando todos os expedientes ao seu alcance.

O mesmo vale para a juventude (velhas nunca foram símbolos sexuais). Malhação, plástica e pintar cabelos servem para isso. Cuide das crias. São raros os homens que se preocupam com isso".

É, a natureza é cínica e cruel para atingir seus objetivos. A ponto de os biólogos dizerem que a galinha é uma máquina inventada pelo ovo para fazer outros ovos.

Mas nós somos um bicho que pensa, que deseja ética, que filosofa e que, portanto, busca um sentido na vida diferente daquele dos genes.

Isso resultou em inúmeros "sentidos da vida" criados por nós. Mas meu objetivo era falar do que ninguém fala: da natureza humana, essa força poderosa que carregamos sem saber.

FRANCISCO DAUDT, psicanalista e médico, é autor de "Onde Foi Que Eu Acertei?", entre outros livros fdaudt2@gmail.com.br

Texto publicado no jornal Folha de São Paulo, caderno Equilíbrio, em 17 de maio de 2011.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O criticismo kantiano

Immanuel Kant (1724-1804) nasceu na Alemanha. Kant questiona na sua obra “Crítica da razão pura” se é possível uma "razão pura" independente da experiência. Daí seu método ser conhecido como criticismo.

Diante da questão “Qual é o verdadeiro valor dos nossos conhecimentos e o que é conhecimento?”, Kant coloca a razão num tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento não tem fundamento. Condena os empiristas (tudo que conhecemos vem dos sentidos) e, da mesma forma, não concorda com os racionalistas (é errado julgar que tudo quanto pensamos vem de nós): o conhecimento deve constar de juízos universais, da mesma maneira que deriva da experiência sensível.

Para superar essa contradição, Kant explica que o conhecimento é constituído de matéria e forma. A matéria dos nossos conhecimentos são as próprias coisas, e a forma somos nós mesmos. Exemplificando: para conhecer as coisas, precisamos ter delas uma experiência sensível; mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas da nossa sensibilidade, as quais são a priori, ou seja, anteriores a qualquer experiência (e condição da própria experiência). Assim, para conhecer as coisas, temos de organizá-las a partir da forma a priori do tempo e do espaço. Para Kant, o tempo e o espaço não existem como realidade externa, são antes formas que o sujeito põe nas coisas.

Outro exemplo: quando observamos a natureza e afirmamos que uma coisa "é isto", ou "tal coisa é causa de outra", ou "isto existe", temos, de um lado, coisas que percebemos pelos sentidos, mas, de outro, algo escapa aos sentidos, isto é, as categorias de substância, de causalidade, de existência (entre outras). Essas categorias não são dadas pela experiência, mas são postas pelo próprio sujeito conhecedor.

Portanto, “o nosso conhecimento experimental é um composto do que recebemos por impressões e do que a nossa própria faculdade de conhecer de si mesma tira por ocasião de tais impressões”.

Kant também conclui que não é possível conhecer as coisas tais como são em si, ou seja, o noumenon (a coisa-em-si) é inacessível ao conhecimento, apenas podemos conhecer os fenômenos (o que aparece). A inovação de Kant consiste em afirmar que a realidade não é um dado exterior ao qual o intelecto deve se conformar, mas, ao contrário, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que "aparece" para nós e, portanto, de certa forma participamos da sua construção.

Prosseguindo a análise da possibilidade do conhecimento, Kant se depara com dificuldades insolúveis ao questionar sobre as realidades da metafísica, tais como a existência de Deus, a imortalidade da alma, a liberdade, a infinitude do universo. Se você seguiu nosso raciocínio, lembrará que todo conhecimento, para Kant, é constituído pela forma a priori do espírito e pela matéria fornecida pela experiência sensível. Ora, os seres da metafísica não podem preencher essa segunda exigência: não temos experiência sensível de Deus, por exemplo. Portanto, o conhecimento metafísico é impossível, e devemos nos abster de afirmar ou negar qualquer coisa a respeito dessas realidades. Assim, a razão é incapaz de afirmar ou negar a existência de Deus. (O agnosticismo pensado por Kant não se confunde com o ateísmo, pelo qual afirmamos a inexistência de Deus.)

Entretanto, em outra obra, “Crítica da razao pratica”, Kant tenta recuperar as realidades da metafísica que destruíra no processo anterior. Pela análise da moralidade, Kant deduz a liberdade humana, a imortalidade da alma e a existência de Deus.

Tal como Copérnico dissera que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele, também Kant afirma que o conhecimento não é o reflexo do objeto exterior: é o próprio sujeito que constrói o objeto do seu saber. Nesse sentido, dizemos que Kant realizou uma “revolução copernicana” na teoria do conhecimento.

Adaptado de “Filosofando”, Aranha e Pires, p.175-179, 1991.

100%

O artigo de Luiz felipe Pondé foi apresentado em sala no debate "Viver Muito ou Viver Intensamente?"

“100%”, Luiz Felipe Pondé

Atenção, pecadores e viciados em sexo, comida, bebida, dinheiro e poder: vocês estão ultrapassados. Há uma nova ganância no ar: a mania de qualidade de vida e saúde total. Esta ganância é o que o jornal "Le Monde Diplomatique" já chamava de "la grande santé" ("a grande saúde") nos anos 90. A mania de ter a saúde como fim último da vida.

Acho isso antes de tudo brega, mas há consequências mais sérias que um simples juízo estético para esta nova forma de ganância. Consequências morais, políticas e jurídicas: o controle científico da vida.

Agora esses fanáticos estão a ponto de demonizar o açúcar, a gordura e o sódio. Querem fotos de gente morrendo de diabetes no saco de açúcar ou de ataque cardíaco nas churrascarias. O clero fascista da saúde não para de botar para fora sua alma azeda.
Mas, como assim, ganância? Sim, esta ganância significa o seguinte: quero tirar do meu corpo o máximo que ele pode me dar. Inevitavelmente fico com cara de monstro narcisista quando dedico minha vida à saúde total. Sempre sinto um certo ar de ridículo nesses pais que obrigam seus filhos a comer apenas rúcula com pepinos e cenoura desde a infância.

Suspeito que os "purinhos", no fundo, se deliciam quando veem fumantes morrerem de câncer ou carnívoros morrerem do coração. Sentem-se protegidos da morte porque vivem como "pombinhos da saúde". São medrosos. A vida é desperdício, e ganancioso não gosta disso.
No caso da morte, probabilidade é como gravidade: 100% de certeza. Logo, a luta contra a morte é uma batalha perdida, nunca uma vitória definitiva.
Se você não morrer de acidentes (carro, avião, atropelamentos, assaltos, homicídios) ou de epidemias (tipo pestes) ou por endemias (tipo doença de chagas), ou de doença metabólica (tipo diabetes) ou de doenças cardiovasculares (tipo AVC ou acidente cardiovascular e ataque cardíaco), você sempre morrerá de câncer.
Claro, ainda temos contra (ou a favor) a tal herança genética. Você passa a vida comendo rúcula e morre de AVC porque suas "veias" não valem nada. Que pena, passou uma vida comendo comida sem graça e morreu na praia. E vai gastar dinheiro com hospital do mesmo jeito, ou, talvez, mais ainda. Sorry.
Logo, caro vegetariano, escapando de doenças cardiovasculares porque você evitou (religiosamente) gorduras supostamente desnecessárias, você pode simplesmente morrer de câncer porque deu azar com o pai que teve ou porque, no fim, tudo vira câncer, não sabia?
Um dia, esses maníacos da saúde total desejarão processar os pais por terem deixado que eles comessem coxinhas e brigadeiros quando eram crianças ou porque simplesmente tinham maus genes em seus gametas.
Sinceramente, não estou convencido de que viver anos demais seja muito vantajoso. Sem "abusar" da comida, da bebida, do tabaco, do sexo, das horas mal dormidas, não vale a pena viver muitos anos.
A menos que eu queira ser uma "freira feia sem Deus", o que nada tem a ver com freiras de verdade, uso aqui apenas a imagem estereotipada que temos das freiras como seres chatos, opressores e feios , ou seja, uma pessoa limpinha, azeda e repressora.
Como diz meu filho médico de 27 anos, "nunca houve uma geração tão sem graça como esta, obcecada por viver muito". Eu, pessoalmente, comparo esta geração de pessoas obcecadas pela saúde àqueles personagens de propaganda de pasta de dentes: com dentes branquinhos, cabelos bem penteados e com cara de bolha (ou "coxinha", como se diz por aí).

Dei muita risada quando soube que alguns cientistas estavam relacionando câncer de boca à prática frequente de sexo oral. Será que sexo oral dá cárie também? Terá a vida sentido sem sexo oral? Fazer ou não fazer, eis a questão!
Essa ciência horrorosa da saúde total deverá logo descobrir que sexo oral faz mal, e aí, meu caro "pombinho da saúde", como você vai fazer para viver sendo perseguido pela saúde pública? Talvez, ao final, não seja muito problema para você, porque quem é muito limpinho não deve gostar mesmo dessa sujeira que é trocar fluidos e gostos por aí.