quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Mito Maurício de Souza

Alguns alunos se basearam na adaptação que Maurício de Souza fez para a “Alegoria da Caverna” de Platão para preparar o trabalho de filosofia. Esclareço a todos que a adaptação do autor da Mônica é bastante pobre em relação ao trecho da “República” e desvia-se da ideia central da alegoria: a saída da caverna e o conseqüente encontro da verdade, passando pela episteme.


O autor da Mônica apenas usa o mote da saída da caverna para dizer que é preciso aproveitar a natureza e sair de casa ou largar a TV.


Uma reflexão interessante seria tentar entender o agora desenhista da Mônica “teen” como peça importante da engrenagem midiática brasileira.


Além disso, ironizei aqueles que copiaram o Maurício, atribuindo nota MB para ele e menor, às vezes até mesmo i, para o aluno copiador. Mas, pensando bem, talvez o Cebolinha pai merecesse um B...



"Na prática é diferente", Ferrreira Gullar



Matéria de Ferreira Gullar na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 23 de maio de 2010. O autor discute a atualidade do conceito de aura de Walter Benjamin.


Um carro esporte da marca Bugatti foi vendido em leilão por US$ 40 milhões. Não foi uma escultura de Rodin nem um quadro de Picasso, mas simplesmente um automóvel, ou seja, um produto industrial feito em série. É verdade que desse Bugatti só foram fabricados três exemplares, mas há casos de outros, de muito maior tiragem, que alcançaram vários milhões de dólares.

Tais fatos, sem dúvida, deixariam perplexo o pensador alemão Walter Benjamin, segundo o qual os produtos industriais não possuem aura, como as obras de arte consagradas.

O que então explicaria a verdadeira idolatria de certos colecionadores por automóveis antigos? Talvez o leitor não esteja entendendo por que Walter Benjamin ficaria perplexo. É que ele é o autor de um célebre ensaio intitulado "A Obra de Artena Época de Reprodutibilidade Técnica", no qual expõe a teoria da aura que envolve as obras de arte, que são originais únicos, como, por exemplo, "A Guarda Noturna", de Rembrandt, ou "Le Déjeneur sur Lherbe" (almoço sobre o gramado), de Manet.

Aliás, é próprio da pintura, por ser produto artesanal, criar originais únicos, contrariamente à fotografia, produto tecnológico, que possibilita a criação de numerosas cópias, sem original: o original da fotografia era, até recentemente, antes da câmera digital, o negativo.

As fotos assim obtidas eram cópias. Ou todas elas originais? Mas, quando Benjamin escreveu seu ensaio, nem sonhava coma foto digital. De qualquer modo, naquela época, como hoje, um automóvel também não tinha original, isto é, tinha, mas era o projeto do designer. Essa constatação levou o ensaísta alemão a desenvolver uma teoria, segundo a qual o conceito fundamental da obra de arte havia sido destruído pelas novas técnicas de reprodução das obras criadas.

Nascia, assim, segundo ele, um novo conceito de arte que eliminava a concepção tradicional de obra única e consequentemente o conceito de artista como indivíduo dotado de genialidade ou talento. É como consequência dessa tese que Benjamin afirma que as novas técnicas de reprodução extinguiram a aura que envolvia e sacralizava a obra única.

Por trás dessa tese está a concepção da sociedade de massa, vista como um avanço na história humana, quando, enfim, a coletividade se sobrepõe à individualidade, dispensando, portanto, o conceito de gênio, indivíduo superdotado, que seria na verdade fruto de uma mistificação da arte. Em seu entendimento, a aura que envolve as chamadas obras-primas nasceu da visão religiosa que estava na origem das criações artísticas da Antiguidade. Confundia-se a devoção aos deuses com a expressão estética, e assim a aura mística contaminava a expressão artística.

Mais tarde, quando a arte se libertou da religião, aquele sentimento místico se transferiu para a contemplação estética. A arte pela arte não seria outra coisa senão o resultado dessa transferência do místico para o estético. Tese perigosa que desconhece a diferença entre as pessoas, ao pressupor que todas têm as mesmas qualidades, o mesmo gênio de um Albert Einstein ou de um Leonard DaVinci. Mas os fatos foram suficientes para pôr abaixo a teoria.

Ao contrário do que afirmava, as reproduções da Mona Lisa, em vez de destruir-lhe a aura, a aumentaram, tornando-a mais admirada, já que todos desejam conhecer o original daquela reprodução que lhe caíra nas mãos. Cada ano, novos milhares de pessoas se a cotovelam no Louvre, atraídos pela aura da obra de Da Vinci.

Contrariando a previsão de Benjamin, a reprodução veio garantir e ampliar a aura. É evidente que ele se equivocou. A aura que envolve esse ou aquele objeto -seja um quadro ou um automóvel- depende de fatores muito diversos, que tanto pode ser a qualidade estética, sua condição de objeto raro ou extravagante, como a história ou lenda que o envolva.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A indústria cultural e a arte



Ver o mundo em um grão de areia
E o céu em uma flor selvagem,
Segurar o infinito na palma de sua mão
E a eternidade em uma hora.
William Blake

Para Adorno e Horkheimer, a indústria cultural parece à primeira vista ser algo monstruoso e inescapável, e mais do que isso, uma armadilha da qual ninguém poderá sair. Mas, a partir das observações de Adorno em outros textos, podemos buscar suas propostas de uma vida que fuja à administração imposta pela transformação de toda a cultura em mercadoria.

Duas instâncias da vida social são indicadas como possibilidades por Adorno: a arte e a educação. Mas quando se fala da arte após a era da reprodutibilidade técnica (ou após a industrialização) é necessário distinguir entre a arte-produto da indústria cultural e a arte legítima ou autêntica.

Pelos critérios adornianos, a obra legítima é aquela que se dedica a ser a negação da indústria cultural. É o contrário do filme, que atrofia a imaginação. É aquela que nunca se completa e tem espaço suficiente para que o espectador a complete ou participe dela como um co-autor; não é imediata, mas é mediação, ou seja, é um meio termo entre o observador e o mundo e nunca é apreendida imediatamente. Não é a cópia fiel do mundo nem é um modelo estereotipado que obriga os consumidores a segui-la. A obra de arte legítima permite e incita ao pensamento. Esta se baseia em outra racionalidade, diferente da lógica do mundo administrado (que é também a lógica aristotélica), supera ou ignora os princípios de não-contradição, do terceiro excluído, de identidade e causalidade. Ela pode ser descrita por alguns como “irracional”, que é na verdade a negação da sociedade capitalista. Nunca há determinação, mas sempre uma indeterminação que nos permite a cada vez perceber uma nova e diferente obra na mesma obra. Tudo o que nega a mercadoria cultura, a qual é sempre igual a si mesma, que nada diz sobre o mundo e entrega uma imposição como se fosse realidade, mas que permite apenas que sigamos a ordem dada pelo sistema da indústria cultural. Uma obra autêntica tem afinidade com o outro, o não-estabelecido, o negativo; é forma de conhecimento e não diversão. Desse modo, foge da linguagem puramente comunicativa e discursiva para ser ambigüidade, expressão, subjetividade e objetividade ao mesmo tempo e permite a contradição. A arte é liberdade.

É possível perceber que Adorno faz um contraponto entre o cinema, obra-mercadoria, e a literatura, que permite ao leitor criar personagens, cenários e situações enquanto passa pelas páginas do livro. Já os filmes “são feitos de modo que a sua apreensão adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, e por outro é feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam à sua frente”.
Desse modo, as obras de arte legítimas segundo a concepção de Adorno permitem a reflexão e são exemplificadas em artistas como Picasso (pintura), Debussy, Schöenberg, Alban Berg (música) e James Joyce (literatura).

É preciso levar em conta o momento histórico em que foi escrito o livro “Dialética do Esclarecimento”, de 1946. A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945 e foi impulsionada por uma indústria cultural muito forte que agiu na Alemanha. É possível fazer uma relação entre a barbárie (como chamam os autores) nazista e os meios de comunicação no incitamento da violência e da adesão da população aos ideais de pureza e superioridade racial, que levaram à existência dos campos de extermínio e genocídio. O cinema, os jornais e o rádio foram protagonistas na condução do povo alemão à barbárie. Curiosamente, os filmes da época são considerados bastante semelhantes ao modelo de cinema de herói hollywoodiano.

Indicação de leitura: "A Escola de Frankfurt", de Olgaria Mattos, cap. 6.

Elementos de lógica segundo Aristóteles

Este texto é apoio para entender a proposta de Adorno sobre a dominação imposta pela indústria cultural.


Desde seus começos, a Filosofia considerou que a razão opera seguindo certos princípios que ela própria estabelece e que estão em concordância com a própria realidade, mesmo quando os empregamos sem conhecê-los explicitamente. Ou seja, o conhecimento racional obedece a certas regras ou leis fundamentais, que respeitamos até mesmo quando não conhecemos diretamente quais são e o que são. Nós as respeitamos porque somos seres racionais e porque são princípios que garantem que a realidade é racional.Que princípios são esses?

Princípio da identidade, cujo enunciado pode parecer surpreendente: “A é A” ou “O que é, é”. O princípio da identidade é a condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for (um ser da Natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma ação), só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo como figura de três lados e de três ângulos, não só nenhuma outra figura que não tenha esse número de lados e de ângulos poderá ser chamada de triângulo como também todos os teoremas e problemas que o matemático demonstrar sobre o triângulo, só poderão ser demonstrados se, a cada vez que ele disser “triângulo”, soubermos a qual ser ou a qual coisa ele está se referindo. O princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a partir de suas definições.

Princípio da não-contradição (também conhecido como princípio da contradição), cujo enunciado é: “A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A”. Assim, é impossível que a árvore que está diante de mim seja e não seja uma mangueira; que o cachorrinho de dona Filomena seja e não seja branco; que o triângulo tenha e não tenha três lados e três ângulos; que o homem seja e não seja mortal; que o vermelho seja e não seja vermelho, etc. Sem o princípio da não-contradição, o princípio da identidade não poderia funcionar. O princípio da não-contradição afirma que uma coisa ou uma idéia que se negam a si mesmas se autodestroem, desaparecem, deixam de existir. Afirma, também, que as coisas e as idéias contraditórias são impensáveis e impossíveis.

Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é: “Ou A é x ou é y e não há terceira possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou faremos a paz”. Este princípio define a decisão de um dilema - “ou isto ou aquilo” - e exige que apenas uma das alternativas seja verdadeira. Mesmo quando temos, por exemplo, um teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas entre duas opções - “ou está certo ou está errado” - e não há terceira possibilidade ou terceira alternativa, pois, entre várias escolhas possíveis, só há realmente duas, a certa ou a errada.

Princípio da razão suficiente, que afirma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e que tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela nossa razão. O princípio da razão suficiente costuma ser chamado de princípio da causalidade para indicar que a razão afirma a existência de relações ou conexões internas entre as coisas, entre fatos, ou entre ações e acontecimentos.Pode ser enunciado da seguinte maneira: “Dado A, necessariamente se dará B”. E também: “Dado B, necessariamente houve A”. Isso não significa que a razão não admita o acaso ou ações e fatos acidentais, mas sim que ela procura, mesmo para o acaso e para o acidente, uma causa. A diferença entre a causa, ou razão suficiente, e a causa casual ou acidental está em que a primeira se realiza sempre, é universal e necessária, enquanto a causa acidental ou casual só vale para aquele caso particular, para aquela situação específica, não podendo ser generalizada e ser considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou semelhantes, pois, justamente, o caso ou a situação são únicos. A morte, por exemplo, é um efeito necessário e universal (válido para todos os tempos e lugares) da guerra e a guerra é a causa necessária e universal da morte de pessoas. Mas é imprevisível ou acidental que esta ou aquela guerra aconteçam. Podem ou não podem acontecer. Nenhuma causa universal exige que aconteçam. Mas, se uma guerra acontecer, terá necessariamente como efeito mortes. Mas as causas dessa guerra são somente as dessa guerra e de nenhuma outra. Diferentemente desse caso, o princípio da razão suficiente está vigorando plenamente quando, por exemplo, Galileu demonstrou as leis universais do movimento dos corpos em queda livre, isto é, no vácuo.


Pelo que foi exposto, podemos observar que os princípios da razão apresentam algumas características importantes: - não possuem um conteúdo determinado, pois são formas:

-indicam como as coisas devem ser e como devemos pensar, mas não nos dizem quais coisas são, nem quais os conteúdos que devemos ou vamos pensar;

- possuem validade universal, isto é, onde houver razão (nos seres humanos e nas coisas, nos fatos e nos acontecimentos), em todo o tempo e em todo lugar, tais princípios são verdadeiros e empregados por todos (os humanos) e obedecidos por todos (coisas, fatos, acontecimentos);- são necessários, isto é, indispensáveis para o pensamento e para a vontade, indispensáveis para as coisas, os fatos e os acontecimentos. Indicam que algo é assim e não pode ser de outra maneira. Necessário significa: é impossível que não seja dessa maneira e que pudesse ser de outra.


Retirado de Marilena Chauí, “Convite à Filosofia”, pág. 73, edição online.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Indicações de Leitura

Alguns alunos têm procurado o professor para saber mais sobre filosofia (isto não é mentira). Muitos pedem indicações de livros e artigos de filósofos e comentadores.

Faço uma pequena lista de livros e sites que considero interessantes para saber mais:

Marilena Chaui- "Convite à Filosofia";

Danilo Marcondes-"Iniciação à História da Filosofia";

Jean Claude Bernardet-"O que é Cinema";

Olgaria Mattos-"A Escola de Frankfurt";

artigos, vídeos e livros do prof. Franklin Leopoldo e Silva;

blog do professor Antonio Cicero;

livro "Café Philo-As Grandes Indagações da Filosofia";

artigos e livros do professor Marcos Nobre.

Picasso e Picasso

Abaixo temos duas obras do pintor Picasso e um carro modelo Picasso:

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mais um pouco sobre a verdade

Atendendo um pedido de esclarecimento de alguns alunos sobre a questão da verdade.


Hoje em dia costuma-se dizer que "cada um tem a sua verdade". Para responder a esta afirmação usarei os conceitos de relativismo e perspectivismo através de trecho de artigo que foi publicado na coluna do professor Antônio Cícero, na Folha de São Paulo, em 29/12/2007.


O Relativismo e a Modernidade


A proposição de que toda verdade é relativa, tão ouvida hoje em dia, é insustentável

É mais comum um filósofo relativizar, de algum modo, a verdade, do que confessar-se relativista. Nietzsche, um dos pensadores mais citados hoje em dia, é claramente relativista, embora seja mais freqüentemente classificado de "perspectivista".

O fato é que é comum ouvir-se hoje em dia que "toda verdade é relativa". Essa proposição, porém, é insustentável. Por quê? Porque incorre no que os lógicos chamam de autocontradição performativa. Essa se manifesta no seguinte dilema: se a própria proposição "toda verdade é relativa" for relativa, segue-se que nem toda verdade é relativa; por outro lado, se a proposição "toda verdade é relativa" não for relativa, segue-se, igualmente, que nem toda verdade é relativa. Desse modo, o relativismo universal se desmente ao ser afirmado.

Mas o relativismo é inviável também do ponto de vista prático ou político. Embora ele seja muitas vezes defendido a partir de uma atitude pluralista, em que o relativista, negando-se a tomar qualquer verdade como absoluta, aceita que haja verdades diferentes daquelas em que acredita, ele, com isso, acaba por minar a sua própria posição.

É que, como diz Platão sobre o relativista Protágoras: "ele é vulnerável no sentido de que às opiniões dos outros dá valor, enquanto que esses não reconhecem nenhuma verdade às palavras dele". Assim, enquanto o relativista aceita, por princípio, que sejam relativamente verdadeiras as crenças do anti-relativista ou absolutista (seja ele, por exemplo, um terrorista jihadista), esse não reconhece absolutamente nenhuma verdade nas teses -que, para ele, não passam de manifestações de fraqueza, decadência etc- do relativista.

Pior ainda: o relativismo é capaz de se transformar no seu oposto. "Da equivalência de todas as ideologias, todas igualmente ficções", afirmava Mussolini, sob a influência de Nietzsche, "o relativismo moderno deduz que cada qual tem o direito de criar-se a sua própria e impô-la com toda a energia de que é capaz".

E qual foi a ideologia que Mussolini criou e impôs com toda a energia de que foi capaz? O fascismo, para o qual, como afirmou em "A Doutrina do Fascismo", "o Estado é um absoluto". Eis como é simples a transformação do relativismo em absolutismo.

A modernidade filosófica mesma não é nem jamais foi relativista, pelo menos nesse sentido vulgar. É verdade que, desde o princípio, Descartes e, mesmo antes dele, Montaigne, por exemplo, puseram em questão todos os pretensos conhecimentos dados ou positivos -o que, de certo modo, equivale a relativizá-los. Entretanto, os pretensos conhecimentos positivos são relativizados por esses pensadores a partir da crítica efetuada pela razão: a partir, portanto, da razão crítica.
De todo modo, o reconhecimento de que a razão crítica - ou negativa - é absoluta equivale ao reconhecimento de que nenhum pretenso conhecimento positivo é absoluto: ou, em outras palavras, de que todo pretenso conhecimento positivo é relativo.

Leia o artigo no blog Acontecimentos


Filosofia da Adolescência 1: A Indústria Cultural


A indústria cultural inventa a adolescência

Os primeiros filósofos a usar o termo “indústria cultural” foram Theodor W. Adorno e Max Horkheimer no livro “Dialética do Esclarecimento”, escrito em 1946, em um capítulo chamado “A Indústria Cultural”. Podemos definir essa indústria como um sistema que transforma a cultura em produto ou mercadoria com a mesma lógica de qualquer material industrial: dar lucro aos industriais e manter a ideologia dominante no poder.

Inicialmente tidos como termos antagônicos, a associação entre “indústria” (que faz pregos, malas, portas, roupas) e “cultura” (aquilo que expressaria os costumes e as manifestações artísticas de um povo ou autor) já não causa mais espanto. A cultura é realizada agora pela indústria de modo indissociável e tudo vira produto: pregos, discos, malas, filmes, roupas e pinturas são uma mesma coisa: mercadoria. Essa transformação é entendida de várias formas pela filosofia. Benjamin era otimista pois acreditava que a perda da aura era acompanhada de democratização do acesso à obra de arte, que passa a ser entendida principalmente como diversão. Já Adorno e Horkheimer pensam a indústria cultural como dominação do povo por um novo sistema que pretende manter a sua ideologia.

A indústria cultural é considerada por Edgar Morin a criadora da adolescência nos Estados Unidos na década de 1950. Naquele tempo, os industriais americanos perceberam que seria muito rentável transformar a juventude, que tem características próprias, em um grupo consumidor, aquilo que chamaríamos hoje de “nicho de mercado”. Nessa época surgem produtos especialmente criados para o “teenager”. Um filme retrata os adolescentes, que vão ao cinema; toca uma música no filme e no rádio; o disco está disponível nas lojas; os jornais e revistas noticiam esse mesmo filme e as pessoas, ou melhor, o público-alvo fica interessado e compra todos os produtos associados e divulgados por todo o sistema: “A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e semanários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza em si e todos entre si. As manifestações estéticas, mesmo a dos antagonistas políticos, celebram da mesma forma o elogio do ritmo do aço.

Um exemplo é o filme “Sementes de Violência” (Blackboard Jungle), dirigido por Richard Brooks, que se passa numa escola com alunos rebeldes e que toca a canção “Rock Around the Clock”, do grupo Bill Haley and his Comets, cujo disco foi um sucesso de vendas no mundo todo. Esse filme/disco/notícia/comportamento pode estar esquecido, mas a estrutura que o tornou um sucesso permanece até os dias de hoje. Assim, percebemos que toda a indústria cultural é mobilizada em torno do lucro e da manutenção de uma ideologia que impede de pensar e ainda faz com que a suposta “rebeldia” jovem seja transformada em seu oposto: a rebeldia é o conformismo de revoltar-se apenas porque não foi possível comprar ou consumir todos os produtos que a indústria assim definiu que o adolescente deveria adquirir.

Como podemos perceber, o “teen” não é o único alvo do mercado. Ele foi o primeiro por ter características mais facilmente identificáveis, mesmo porque é fácil fazer uma contraposição entre jovens e adultos ou jovens e velhos ou ainda entre jovens e crianças. Atualmente cada faixa etária tem seu nicho: crianças, pré-adolescentes, adolescentes, adultos jovens, adultos maduros (tiozinhos?) e a melhor idade (os antigos velhos ou terceira idade), mas todos têm liberdade para consumir o que preferir e “furar” esse esquema que identifica a pessoa com sua idade.

“Distinções enfáticas, como entre filmes de classe A e B, ou entre histórias em revistas a preços diversificados, não são tão fundadas na realidade, quanto, antes, servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los. Para todos, alguma coisa é prevista a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente. O fato de oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa, Cada um deve-se portar, por assim dizer, espontaneamente, segundo o seu nível, determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo. Reduzido a material estatístico, os consumidores são divididos, no mapa geográfico dos escritórios técnicos (que não se diferenciam praticamente mais dos de propaganda), em grupos de renda, em campos vermelhos, verdes e azuis.”

O rádio, segundo os autores, é “democrático, torna todos os ouvintes iguais ao sujeitá-los, autoritariamente, aos idênticos programas das várias estações” e torna-se apenas mais uma parte da engrenagem gigantesca.

domingo, 9 de maio de 2010

Em busca de uma filosofia da adolescência


Atendendo ao desejo dos alunos de falar sobre a adolescência, o curso de filosofia dedica-se a uma investigação sobre este tema. Inicialmente existe uma questão de método: como se aproximar da adolescência? O filósofo pode sair às ruas, como fez Sócrates, e perguntar: “o que é a adolescência”; “como é”; “quem é o adolescente”, ou ainda, “existe a adolescência”? Ele pode também buscar informações sobre o tema na imprensa e na história da filosofia dos últimos vinte e cinco séculos.

O nosso primeiro passo foi a leitura de jornais atuais que falassem sobre os adolescentes. Temas como as pulseirinhas do sexo, as baladas, o uso de bonés, o controle das faltas na universidade, os adolescentes trabalhadores e os filmes destinados ao público jovem foram discutidos e confrontados com a opinião dos alunos da escola. A maior parte das opiniões demonstrou que as reportagens faziam uma imagem estereotipada do adolescente e que não condizia com a realidade do cotidiano. Assim, foi necessário buscar referências filosóficas para prosseguir a investigação, que segue na pergunta: a adolescência existe?

A legitimidade da questão se baseia no preceito que move a filosofia: sempre duvidar daquilo que é aceito como consenso por todos. Apesar de existir um fenômeno biológico chamado de puberdade e da psicologia adotar critérios clínicos para definir a adolescência:

1) busca de si mesmo e da identidade;

2) tendência grupal;

3) necessidade de intelectualizar e fantasiar;

4) crises religiosas, que podem ir desde o ateísmo mais intransigente até o misticismo mais fervoroso;

5) deslocalização temporal, em que o pensamento adquire as características de pensamento primário;

6) evolução sexual manifesta, desde o auto-erotismo até a heterossexualidade genital adulta; 7) atitude social reivindicatória com tendências anti ou associais de diversa intensidade;

8) contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta, dominada pela ação, que constitui a forma de expressão conceitual mais típica deste período da vida;

9) uma separação progressiva dos pais; e

10) constantes flutuações de humor e do estado de ânimo" (Knobel)

Para a filosofia, a adolescência somente pode ser considerada existente se houver um consenso social e cultural em torno dela, ou, se a sociedade reconhece o adolescente e se o adolescente se reconhece como tal. Isso de fato existe e é embasado na legislação brasileira através do Estatuto da Criança e do Adolescente que se dedica a garantir condições adequadas para as duas fases da vida.

Mas cabe lembrar que em outras culturas, como nas ilhas Samoa, estudadas pela antropóloga Margaret Mead, a adolescência pode não existir ou pode ter significado diferente daquele que a nossa civilização lhe atribui. Historicamente a adolescência nem sempre existiu. Nos tempos bíblicos não havia essa fase da vida e aos treze anos o indivíduo já era considerado adulto.

Faz-se necessário ampliar a pesquisa e buscar a história da filosofia para esclarecer nossos questionamentos.

domingo, 2 de maio de 2010

A Indústria Cultural

Segue uma citação de Adorno e Horkheimer do artigo A Indústria Cultural para leitura em sala de aula:


"O mundo inteiro passou pelo crivo da indústria cultural. A velha experiência do espectador cinematográfico para quem a rua lá de fora parece a continuação do espetáculo acabado de ver - pois que este quer precisamente reproduzir de modo exato o mundo perceptivo de todo dia - tornou-se o critério da produção. Quanto mais densa e integral a duplicação dos objetos empíricos por parte de suas técnicas, tanto mais fácil fazer crer que o mundo de fora é o simples prolongamento daquele que se acaba de ver no cinema. Desde a brusca introdução da trilha sonora o processo de reprodução mecânica passou inteira­mente ao serviço desse desígnio. A vida, tendencialmente, não deve mais poder se distinguir do filme. Enquanto este, superando de fato o teatro ilusionista, não deixa à fantasia e ao pensamento dos espectadores qualquer dimensão na qual possam - sempre no âmbito da obra cinematográfica, mas desvinculados de seus dados puros - se mover e se ampliar por conta própria sem que percam o fio e, ao mesmo tempo, exercita as próprias vítimas em identificá-lo com a realidade. A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem necessidade de ser explicada em termos psicológicos. Os próprios produtos, desde o mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas faculdades pela sua própria constituição objetiva. Eles são feitos de modo que a sua apreensão adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, e por outro é feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam à sua frente. É uma tensão tão automática que nos casos individuais não há sequer necessidade de ser atualizado para que afaste a imaginação. Aquele que se mostra de tal forma absorvido pelo universo do filme, gestos, imagens, palavras - a ponto de não ser capaz de lhe acrescentar aquilo que lhe tornaria um filme - não estará, necessariamente por isso, no ato da representação, ocupado com os efeitos particulares da fita. Os outros filmes e produtos culturais que necessariamente deve conhecer, tornam-lhe tão familiares as provas de atenção requeridas que estas se automatizam. A violência da sociedade industrial opera nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem estar certos de serem jovialmente consumidos, mesmo em esta­do de distração. Mas cada um destes é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que desde o início mantém tudo sob pressão tanto no trabalho quanto no lazer que lhe é semelhante. De cada filme sonoro, de cada transmissão radiofônica, pode-se deduzir aquilo que não se poderia atribuir como efeito de cada um em particular, mas só de todos em conjunto na sociedade. Infalivelmente, cada manifestação particular da indústria cultural reproduz os homens como aquilo que foi já produzido por toda a indústria cultural. E, no sentido de impedir que a simples reprodução do espírito não conduza à sua ampliação, vigiam todos os seus agentes, desde o produtor até as associações femininas. Os lamentos dos historiadores de arte e dos advogados da cultura sobre a extinção de energia estilística no Ocidente são acanhadamente infundados. A tradução que a tudo estereotipa - inclusive o que ainda não foi pensado -, no esquema da reprodutibilidade mecânica, supera em rigor e validade qualquer estilo verdadeiro, conceito com o qual os amigos da cultura idealizam - como orgânico - o passado pré-capitalista."

A Indústria Cultural - T. W. Adorno e Max Horkheimer