terça-feira, 14 de junho de 2011

Liberdade, angústia e amor

Observe como o tema da liberdade e do existencialismo, tratados por Sartre no século XX já apareciam antes na filosofia de Kierkegaard.

Meu irmão Kierkegaard

Por Luiz Felipe Pondé

Quando você estiver lendo esta coluna, estarei em Copenhague, Dinamarca, terra do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), pai do existencialismo. Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.

O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o “ennui” (angústia, tédio) e o “divertissement” (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano).
O filósofo dinamarquês afirma que nós somos “feitos de angústia” devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.
A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori.
Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como “condenação à liberdade”, justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.
O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres humanos.
Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas “leis”: o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.
Somos um nada que ama.
A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa “verdade”, ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica.
Deste “solo da existência” (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro “A Repetição”, é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.
É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer. Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida “correta” (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando “saltamos na fé”, sem garantias de salvação. Mas existe também o “abismo do amor”.
Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.
Seu livro “As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos” (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.
A ideia que abre o livro é que o amor “só se conhece pelos frutos”. Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua “visibilidade” apenas prática.
Angústia e amor são “virtudes práticas” que demandam coragem.
Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.
Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como “lei da alma”), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.
Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:
“Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor… Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber.”
Infelizes os que nunca amaram. Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância.

Publicado na Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada, em 13 de junho de 2011.


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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Os diferentes ramos da filosofia

A professora Marilena Chaui em seu livro Convite à Filosofia trata dos ramos ou campos da filosofia. Segue o trecho do livro para sua leitura:

"Quais são os campos próprios em que se desenvolve a reflexão filosófica nestes vinte e cinco séculos? São eles:

Ontologia ou metafísica: conhecimento dos princípios e fundamentos últimos de toda a realidade, de todos os seres;

Lógica: conhecimento das formas gerais e regras gerais do pensamento correto e verdadeiro, independentemente dos conteúdos pensados; regras para a demonstração científica verdadeira; regras para pensamentos não-científicos; regras sobre o modo de expor os conhecimentos; regras para a verificação da verdade ou falsidade de um pensamento, etc.;

Epistemologia: análise crítica das ciências, tanto as ciências exatas ou matemáticas, quanto as naturais e as humanas; avaliação dos métodos e dos resultados das ciências; compatibilidades e incompatibilidades entre as ciências; formas de relações entre as ciências, etc.;

Teoria do conhecimento ou estudo das diferentes modalidades de conhecimento humano: o conhecimento sensorial ou sensação e percepção; a memória e a imaginação; o conhecimento intelectual; a idéia de verdade e falsidade; a idéia de ilusão e realidade; formas de conhecer o espaço e o tempo; formas de conhecer relações; conhecimento ingênuo e conhecimento científico; diferença entre conhecimento científico e filosófico, etc.;

Ética: estudo dos valores morais (as virtudes), da relação entre vontade e paixão, vontade e razão; finalidades e valores da ação moral; idéias de liberdade, responsabilidade, dever, obrigação, etc.;

Filosofia política: estudo sobre a natureza do poder e da autoridade; idéia de direito, lei, justiça, dominação, violência; formas dos regimes políticos e suas fundamentações; nascimento e formas do Estado; idéias autoritárias, conservadoras, revolucionárias e libertárias; teorias da revolução e da reforma; análise e crítica das ideologias;

Filosofia da História: estudo sobre a dimensão temporal da existência humana como existência sociopolítica e cultural; teorias do progresso, da evolução e teorias da descontinuidade histórica; significado das diferenças culturais e históricas, suas razões e conseqüências;

Filosofia da arte ou estética: estudo das formas de arte, do trabalho artístico; idéia de obra de arte e de criação; relação entre matéria e forma nas artes; relação entre arte e sociedade, arte e política, arte e ética;

Filosofia da linguagem: a linguagem como manifestação da humanidade do homem; signos, significações; a comunicação; passagem da linguagem oral à escrita, da linguagem cotidiana à filosófica, à literária, à científica; diferentes modalidades de linguagem como diferentes formas de expressão e de comunicação;

História da Filosofia: estudo dos diferentes períodos da Filosofia; de grupos de filósofos segundo os temas e problemas que abordam; de relações entre o pensamento filosófico e as condições econômicas, políticas, sociais e culturais de uma sociedade; mudanças ou transformações de conceitos filosóficos em diferentes épocas; mudanças na concepção do que seja a Filosofia e de seu papel ou finalidade."

(Chaui, Marilena, "Convite à Filosofia", unidade 1, cap. 5)

domingo, 5 de junho de 2011

Acho que a televisão é muito educativa. Todas as vezes que alguém liga o aparelho, vou para a outra sala e leio um livro.

Groucho Marx


quinta-feira, 2 de junho de 2011

Os ratos dão razão a Kant

por Fernando Reinach

Você sabe exatamente onde está, provavelmente sentado lendo jornal. Uma das funções importantes do nosso cérebro é coletar as informações originadas nos órgãos dos sentidos, como visão e tato, processar esta informação, e nos manter informados sobre nossa localização.

Apesar do sistema de localização utilizado pelo cérebro ser muito estudado, havia uma polêmica entre os cientistas. Alguns acreditavam que este sistema era resultado do aprendizado, sendo desenvolvido durante a infância. Isto sugeria que o cérebro de um recém-nascido se assemelha a uma página em branco preenchida ao longo do desenvolvimento, uma idéia associada ao pensamento de John Locke. Outros acreditavam que já nascemos com um cérebro capaz de determinar nossa localização no espaço, uma idéia associada a Kant que acreditava que a noção de espaço e tempo é uma pré-condição para o aprendizado.

A novidade é que estudos com ratos recém nascidos demonstram que ao abrirem os olhos eles já possuem o aparato cerebral capaz de localizá-los no espaço.

Dificilmente encontrarmos um rato em uma cadeira lendo jornal, mas foi no cérebro deste animal que o sistema de localização foi mais estudado. O rato utiliza a informação espacial para se orientar quando procura alimentos, parceiros sexuais ou quando volta para o ninho.

Fazem muitos anos que se descobriu que existem diversos tipos de neurônios envolvidos no processamento de informações espaciais. Estes neurônios foram descobertos quando cientistas implantaram minúsculos eletrodos no cérebro de ratos. Estes eletrodos são capazes de detectar a atividade de cada neurônio e enviar esta informação a um computados. Quando os ratos monitorados eram soltos em suas gaiolas e a atividade dos neurônios monitorada, os cientistas descobriram que existem diversas classes de neurônios. Uma das classes, chamada de neurônios “localizadores”, dispara sinais elétricos quando o rato passa em um determinado local da gaiola. Para cada local da gaiola foi possível detectar vários destes neurônios. Existem neurônios para o canto esquerdo, o canto direito e assim por diante. Toda vez que o rato passa por este local, independente de onde ele vinha ou para onde ia, estes neurônios disparam. Um segundo tipo de neurônio, chamado de “direcional”, dispara sempre que o rato esta orientado em uma direção. Assim, por exemplo, um neurônio “direcional norte” dispara sempre que o corpo do rato esta orientado em direção ao norte independente de onde ele está na gaiola. Um neurônio “direcional sul” dispara quando o nariz do rato esta apontado para o sul e assim por diante.

Neste novo experimento os cientistas, usando técnicas de micro cirurgia, foram capazes de implantar os eletrodos em dezenas ratos recém nascidos que nunca haviam saído do ninho, ou sequer aberto os olhos. Os ratos foram colocados de volta no ninho e, dias depois, assim que saíram pela primeira vez para passear pela gaiola, seus neurônios já estavam sendo monitorados. A descoberta é que nestes ratos foi possível detectar a existência de

neurônios “localizadores” e neurônios “direcionais” com características idênticas aos existentes nos ratos adultos.

O fato destes neurônios existirem antes de haver qualquer aprendizado sobre o ambiente sugere que os ratos já nascem com a capacidade de se localizar e portanto ela deve estar codificada diretamente no seu genoma não dependendo do aprendizado. É mais uma demonstração que nascemos com o cérebro parcialmente pré-configurado. Se Kant estivesse vivo provavelmente ficaria feliz com esta descoberta.

Mais informações: Development of the spacial representation system in the rat. Science vol. 328 pag 1576 2010

Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo em 15/07/2010

35 perguntas sobre o criticismo kantiano


dica: clique sobre as páginas para ampliar o texto.

Perguntas relativas ao texto "O Criticismo Kantiano".