terça-feira, 10 de agosto de 2010

Descartes, os animais, os sentidos e a modernidade


Os erros dos sentidos

[...] muitas experiências arruinaram, pouco a pouco, todo o crédito que eu dera aos sentidos.

Pois observei muitas vezes que torres, que de longe se me afiguravam redondas, de perto pareciam-me quadradas, e que colossos, erigidos sobre os mais altos cimos dessas torres, pareciam-me pequenas estátuas quando as olhava de baixo; e assim, em uma infinidade de outras ocasiões, achei erros nos juízos fundados nos sentidos exteriores, mas mesmo nos interiores: pois haverá coisa mais íntima ou mais interior do que a dor?

E, no entanto, aprendi outrora de algumas pessoas que tinham os braços e as pernas cortados, que lhes parecia ainda, algumas vezes, sentir dores nas partes que lhes haviam sido amputadas; isto me dava motivo de pensar que eu não podia também estar seguro de ter dolorido algum de meus membros, embora sentisse dores nele.

[...] jamais acreditei sentir algo, estando acordado, que não pudesse, também, algumas vezes, acreditar sentir, ao estar dormindo; e como não creio que as coisas que me parece que sinto ao dormir procedem de quaisquer objetos existentes, não via por que devia ter antes essa crença no tocante àquelas que me parece que sinto ao estar acordado.

René descartes
Meditações Metafísicas



Os animais não pensam

[...] pois a palavra é o único signo e a única marca certa da presença de pensamento escondida e envolta no corpo; ora, todo homem, seja o mais tolo e mais estúpido, mesmo aqueles que não têm os órgãos da fala, faz uso de sinais, enquanto os brutos nunca fazem qualquer coisa desse tipo; o que pode ser tomado pela verdadeira distinção entre o homem e o bruto.

[...] o argumento principal que pode nos convencer de que os animais não têm razão é que [...] nunca foi observado que qualquer animal tenha alcançado um tal grau de perfeição de modo a ser capaz de nos indicar por voz , ou por outros sinais, alguma coisa que pudesse ser referida como pensamento apenas, em oposição a movimento meramente natural.






Descartes e Bacon como fundadores da modernidade

Bacon e Descartes situam-se em relação de paternidade [com a modernidade] exatamente porque propuseram os meios racionais de emancipação do homem em relação às forças da natureza e aos dogmas estabelecidos por instâncias de autoridade alheias ao domínio da pura razão.

Tais meios racionais constituem os procedimentos de conhecimento da realidade em todos os seus aspectos. Conhecer emancipa porque o conhecimento traz consigo o domínio da realidade.

Da submissão ao senhorio sobre a natureza é pois a trajetória que caracteriza a passagem do arcaico ao moderno, do primado do mundo exterior à primazia de um sujeito livre que se situa perante o mundo na posição de um juiz que é ao mesmo tempo um senhor.

As duas atribuições vinculam-se ao saber cujo único instrumento é a razão. Afirma-se assim um poder indefinido de exploração intelectual da realidade que tem como consequência necessária o domínio técnico da natureza. (Franklin Leopoldo e Silva)


ilustração Fábio Moon

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