Nos últimos dias, o Brasil tem acompanhado os debates a respeito do que
fazer diante da crise econômica na qual estamos. Uma certa narrativa
parece ter se consolidado. Trata-se da imagem de um país em "fase
terminal" devido ao desequilíbrio fiscal pretensamente resultante da
"gastança pública".
Neste sentido, não haveria outra saída a não
ser aplicar a versão tupiniquim de um "choque de austeridade" baseado no
"corte corajoso de gastos". Mesmo esta Folha, em editorial no último
domingo (13), conclamou o governo a adotar tal caminho através, entre
outros, da: "desobrigação parcial e temporária de gastos compulsórios em
saúde e educação, que se acompanharia de criteriosa revisão desses
dispêndios no futuro". Caso isto não ocorresse, não restaria à
presidente, ao dobrar-se à crise, "senão abandonar suas
responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa".
Mas
o que significa o caminho proposto? De fato, certo equilíbrio fiscal
pode ser alcançado desta forma, mas a que preço? Pois há de se perguntar
sobre qual país nascerá ao final deste processo de ajuste. Diria que
toda reflexão sobre a situação brasileira atual deveria partir do fim,
pois há fins distintos que podem ser alcançados.
Um país desigual
como o Brasil e que aceitasse rever o seu padrão de gastos com serviços
públicos caminharia para a precarização ainda maior das parcelas mais
desfavorecidas de sua população. Como não poderá mais ter serviços
mínimos de saúde e educação, a camada mais pobre terá de trabalhar mais,
isto em um contexto de flexibilização e ausência de garantias de
trabalho. A crise seria apenas um álibi para a intensificação da
espoliação de classe.
Por isto, implementar propostas que têm
circulado ultimamente, como cobrança por serviços do SUS e mensalidades
em universidades públicas, significa aprofundar a espiral de miséria.
Diga-se de passagem, uma crise não precisa de cortes em educação. Ao
contrário, é neste momento que os investimentos em educação são mais
necessários e estratégicos pois são eles que permitirão a abertura de
novos caminhos para a economia. Por estas razões, não é difícil perceber
que o país que sairia depois de tal "austeridade" seria um país mais
desigual, mais injusto e socialmente violento.
Alguns poderiam
perguntar se afinal haveria outra saída. Ela existe, mas é sempre
apresentada de forma caricata e distorcida, como se fosse o caso de não
permitir que o país encare a brutalidade de sua injustiça social. Pois
estamos a falar de um país, como o Brasil, no qual há uma parcela da
população que desconhece a crise, que neste exato momento tem seus
rendimentos garantidos porque aproveita-se da valorização obscena do
capital oferecida pelo sistema financeiro com suas taxas criminosas de
juros.
Nosso país não é mais um país de industriais e
empresários. Ele é um país de rentistas, ou seja, de gestores do
capitalismo patrimonial. Um país onde uma classe vive sem trabalhar,
apenas gerindo suas heranças e aplicando seu capital. Tais rentistas não
conhecerão crise, assim como o sistema financeiro com seus lucros
bancários recordes.
Se quisermos fazer o Brasil sair desta crise
sendo um país mais justo e igualitário será necessário encarar
corajosamente, na verdade, a desregulação tributária vergonhosa a que
nossa população está submetida. Fala-se que a carga tributária
brasileira "é a mais alta do mundo". Eis uma pura e simples mentira.
Tentem saber qual a carga de países como Alemanha e França, por exemplo.
Na
verdade, o Brasil é o país que tem a carga tributária mais injusta,
pois ela incide basicamente sobre o consumo e produção, não sobre a
renda. Os impostos estão nos produtos que compramos. Por isto, quem
ganha menos paga proporcionalmente mais. Mais correto seria taxar a
renda, as heranças, as grandes fortunas, os lucros bancários, obrigando
os ricos a fazerem o que não fazem no Brasil ou seja, contribuírem.
Vejam,
por exemplo, toda a hipocrisia em torno da CPMF. Eis um dos impostos
mais justos que este país já teve, pois incide em quem mais usa o
sistema financeiro, ou seja, os mais ricos. Os mesmos que tentam vender
seus interesses de classe como se fosse interesse geral da população.
Uma CPMF de 0,38%, por exemplo, renderia ao Estado R$ 60 bilhões.
Perguntem quanto teríamos com imposto sobre grandes fortunas (tal estudo
o governo brasileiro simplesmente nunca fez, por que será?).
O
que é melhor: retirar a gratuidade do SUS, levar a classe média pobre a
pagar universidades públicas ou obrigar os mais ricos a arcarem com a
conta da crise?
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