POBRE
FAMÍLIA . Esmagada entre teorias sobre seu fim ou sua transformação em
mera empresa que gera jovens consumidores e gestores de carreiras, a
família se despedaça sob a bota da instrumentalização da vida. Perdoe-me
o leitor por contaminar sua segunda-feira com palavras de horror. Sou
obrigado a fazê-lo.
E mais.
Pais atormentados por mudanças que desqualificam seu lugar de homens
despencam num abismo de sensibilidades, no fundo indesejadas por suas
parceiras. Mães espremidas pelas obrigações advindas da emancipação de
sua condição de mulher, ameaçadas pela solidão de quem aposta
demasiadamente nas propagandas de sucesso pessoal, no fundo apavoradas
como sempre estiveram pela deformação de seus corpos diante do desejo
ávido masculino por mulheres cada vez mais jovens. Homens e mulheres
acuados pela imensa montanha de idealizações.
A
dependência de especialistas em como educar filhos se torna mais aguda
do que a dependência do sexo, do álcool ou do tabaco. Bom o tempo em que
tudo que temíamos era a luxúria dos corpos que ardiam na escuridão dos
quartos. A insegurança de cada passo mostra seus dentes diante dos
filhos que crescem ao sabor de um mundo que se torna cada vez mais
exigente e, por isso mesmo, mais cruel. A associação entre demanda de
sucesso e crueldade parece escapar aos especialistas na vida bem
sucedida.
O fracasso é o pai
do humano que se quer humano. Eis o maior de todos os impasses. Alguns
praticantes das ciências parecem analfabetos tolos diante desta máxima
e, por isso, repetem alegres suas crenças bobas nos instrumentos do
progresso. Enganam-se, em sua infância intelectual, quando pensam que
nós, céticos desta Babel, amamos o sofrimento, quando na realidade
sabemos apenas de sua inevitabilidade como condição da humanização. É
uma ciência da inevitabilidade do sofrimento que falta a estas almas
superficiais que ainda chafurdam nas crenças do século 18.
Esses
chatos, montados em suas análises jurídicas, sociológicas e
psicológicas, atormentam a família, que fica perdida em meio a uma
ciência moralista que tem como uma de suas taras a intenção de provar a
incompetência dos homens e das mulheres na labuta com suas crias. Agora
esses chatos decidiram que vão mandar nas compras de sucrilhos e nas
idas ao McDonald's.
Tomados
pelo furor da lei, esses puritanos querem ensinar padre-nosso ao
vigário, assumindo que os pais precisam de tutela na hora de comprar
comida para seus filhos. Nada de bonequinhos, nada de brindes, apenas
embalagens feias como caixotes soviéticos. Daqui a pouco, vão proibir
mulheres bonitas nas propagandas e as gotas de cerveja que escorrem por
suas saias curtas. Riscarão do mapa carros que desfilam homens
charmosos. Uma verdadeira pedagogia do horror como higiene do bem.
O
problema com este higienismo é que ele pensa combater em nome da
liberdade, mas, na realidade, restringe ainda mais a liberdade,
esmagando-a em nome desta senhora horrorosa que se chama "cidadania".
Esta senhora, que tende ao desequilíbrio quando se faz cheia de
vontades, nasceu sob o sangue da revolução francesa, e dela guarda seu
gosto pela humilhação. Deve, portanto, permanecer sob "medicação",
porque detesta o homem comum e sua miséria cotidiana que carrega nossa
identidade mais íntima. Sob a égide da defesa do bem comum, ela, quando
investida da condição de rainha louca da casa, amplia o sentido dessa
"coisa pública" elevando-a a categoria de uma geometria moral da
intolerância.
Deixe-nos em
paz com nossos filhos mal educados, com maus hábitos alimentícios,
viciados em televisão e computador, aos berros para ganhar o McLanche
Feliz. A negação da liberdade vem acompanhada da afirmação do que é a
liberdade certa. Liberdade sempre pressupõe o desgosto e uma certa
desordem indesejável. Daqui a pouco, vão dizer que não podemos comprar
chocolates com personagens infantis (como se o gosto do chocolate para
uma criança fosse "apenas o gosto do chocolate").
Em
seguida, obrigarão nossas crianças a ler livros com meninas beijando
meninas e histórias onde Jesus era africano. Criarão aulas onde meninos
aprendam a colocar camisinha em bananas com a boca, afinal a igualdade
entre os sexos deve passar pelo esmagamento da privacidade suja dos
preconceitos, como se a vida fosse possível sem sombras, sob o calor
sufocante da luz.
Folha de São Paulo – 07-09-2009
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