quarta-feira, 16 de junho de 2010

Controle é o nome do monstro


Aqueles que leram os posts “Escola como campo de forças” e “O Panopticon” devem ter notado que o cotidiano escolar não funciona mais exatamente como descrito no modelo panóptico. As salas de aula não têm as duas janelas por onde entraria luz ininterrupta, a vigilância já não é mais tão rígida, os alunos falam o tempo todo, sentam e levantam quando querem, assistem apenas a algumas aulas, ou seja, o modelo disciplinar estaria no fim. Devemos lembrar que Foucault estudou a biopolítica no século XIX e a rigidez com que o poder a empregava de fato era maior. Mas não é possível concluir que o biopoder perdeu a luta de forças, ou que os alunos/prisioneiros ganharam a disputa. Pelo contrário, o poder se sofisticou. Ele não precisa mais do confinamento, da arquitetura, da disciplina. Exerce-se em todos os lugares, todo o tempo. E mais eficientemente. Gilles Deleuze, filósofo contemporâneo de Foucault, chamou a nossa época de “sociedade de controle” em oposição à “sociedade disciplinar” dos séculos XIX e parte do XX:

“Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um “interior“, em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc. (...) Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo.
Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. ‘Controle’ é o nome (...) para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo.
(...)formas ultrarápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado.
(...) Não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os hospitais-dia, o atendimento a domicílio puderam marcar de início novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas."

O texto de Deleuze foi escrito em 1990, mas parece ser uma previsão de nosso futuro breve, em que a escola não precisa mais ser disciplinada, pois também será “à distância”, em qualquer lugar onde o aluno estiver conectado, sozinho ou acompanhado, atento ou distraído, a qualquer hora. Não importa mais a presença, mas sim a entrega da tarefa.
A sociedade como um todo se encontra no novo modo de funcionamento: o trabalho vira “teletrabalho” ou “trabalho em casa”, no celular o chefe que pode ligar a qualquer hora do dia ou da noite, os trabalhadores estudam permanentemente a vida toda e apresentam certificados aos patrões; o imposto de renda; o hospital-dia...
O controle também é voluntário: a vida é exibida no Orkut, facebook, online no MSN, Messenger, fotolog, twitter, blog, “locais” em que se está online, offline, ausente ou ocupado.
A biopolítica também se atualiza e se mostra mais flexível do que a disciplina, embora mais poderosa:

“O poder tomou de assalto a vida. Isto é, o poder penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou inteiramente, e as pôs para trabalhar. Desde os genes, o corpo, a afetividade, o psiquismo, até a inteligência, a imaginação, a criatividade. Tudo isso foi violado, invadido, colonizado; quando não diretamente expropriado pelos poderes. Mas o que são os poderes? Digamos, para ir rápido, com todos os riscos de simplificação: as ciências, o capital, o Estado, a mídia etc. Os mecanismos diversos pelos quais se exercem esses poderes são anônimos, esparramados, flexíveis.” (Peter Pál Pelbart)


Leitura sugerida:

"Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle"
, de Gilles Deleuze


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