quarta-feira, 16 de junho de 2010

Escola como campo de forças


“estar proibido de mover-se é um símbolo poderosíssimo de impotência, de incapacidade e dor.”

Zigmunt Baumam



Michel Foucault (1926-1984) tem uma visão peculiar da escola e da educação. Para ele, a escola é mais uma das instituições que seguem o sistema panóptico. Segundo esse modelo (veja o post “O Panopticon”) desenvolvido por Jeremy Bentham, a arquitetura está a serviço de uma nova forma política que se desenvolve no século XIX, a partir de 1830, em que o poder é uma coisa difusa, cotidiana e não deve ser entendido como normalmente o conhecemos: o poder dos grandes políticos, os governadores, presidentes ou reis. Para o filósofo francês,


“(...) o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão.”


O poder, portanto, é exercido nas instituições, por todos que nela circulam. Na escola, o poder será exercido pelo professor, pelo diretor, os inspetores e também pelos alunos. Cada um desses exercerá uma força. Mas, pergunta-se, o que quer o poder, qual é o seu objetivo? O poder, que Foucault chamou de poder disciplinar, visa conceber o indivíduo moderno como aquele que é dócil e apto ao trabalho produtivo. A escola e a educação teriam, portanto, a função de formar não o estudante, mas o sujeito adaptado e acostumado a servir na sociedade capitalista. (Note que o panoptismo da sociedade disciplinar se estende à prisão, lugar destinado a corrigir os sujeitos desviantes da norma; ao hospital, especialmente o psiquiátrico, onde são encerrados os loucos, aqueles que não têm condições de produzir e causam dificuldades à disciplina; a fábrica, local por excelência da produção. Podemos entender que o sujeito criado na escola é treinado para ser um futuro trabalhador.)


Assim, na escola, lugar onde se estabelecem relações de força, tanto o professor quanto os alunos exercem o poder, pois este não é privilégio e monopólio de uns na escala hierárquica das instituições. “O poder entre duas pessoas é a vontade de uma delas prevalecendo sobre a vontade da outra” (Richard Sennett). Foucault chama de poder disciplinar aquele que a instituição exerce sobre o indivíduo. Este é uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos. Suas principais características são: não ocorre mais, como antigamente, a utilização do corpo como alvo das penas e castigos; privação da liberdade ao invés de execrar o corpo; cerceamento do direito de ir e vir das pessoas; o confinamento em instituições. Estas ações disciplinares resultam em modelação dos corpos, docilidade e utilidade. A vigilância constante, obtida pelo sistema panóptico, cria um poder automático:

“induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade, que assegura o funcionamento automático do poder” (Foucault).


A partir do entendimento da ação do poder difuso sobre o corpo do sujeito, Foucault atualiza o conceito de política, que ele chama de biopolítica, que está acima das noções tradicionais de ideologia e de consciência:


“O controle da sociedade sobre os indivíduos não se efetua somente pela consciência ou pela ideologia, mas também no corpo e pelo corpo. Para a sociedade capitalista é o biopolítico que importava acima de tudo, o biológico, o somático, o corporal. O corpo é uma realidade biopolítica; a medicina é uma estratégia biopolítica.”


O médico, assim como o professor, o carcereiro, o chefe de fábrica, o coronel do exército, tem poder sobre o corpo daqueles que trata. Através da submissão do corpo do paciente aos tratamentos, o médico exerce um poder de tipo disciplinar. O paciente deve dizer tudo aquilo que fez e faz pois isso pode ser importante para seu estado de saúde. Nada deve ser escondido, sob o risco do tratamento não ter sucesso. O médico adquire poder através do seu saber, seu conhecimento obtido na faculdade. Foucault diz que o médico tem um saber poder, que lhe é exclusivo e confere autoridade à sua profissão. O biopoder, não apenas da instituição, mas também dos próprios sujeitos que participam das instituições guarda aquela característica difusa, invisível no cotidiano, apresentada no começo deste texto. Ele conta também com o exame, ou seja, outro instrumento permanente de disciplina a serviço da produção de um sujeito dócil. Na escola, o exame é feito pela chamada e pela anotação das faltas, anotações disciplinares, provas, “carômetro”. Aqueles que faltam acima do limite permitido, têm anotações de má conduta, têm notas ruins nas provas estão fora da norma. A norma é uma medida criada pela biopolítica para separar quem é normal (que cabe dentro da norma) daqueles que não são, os fora-da-lei, os improdutivos, ineficientes, indóceis. Cabe ao poder disciplinador levar o maior número possível de pessoas para dentro da norma.


A biopolítica pode ser entendida assim:


“O poder já não se exerce desde fora, desde cima, mas sim como que por dentro, ele pilota nossa vitalidade social de cabo a rabo. Já não estamos às voltas com um poder transcendente, ou mesmo com um poder apenas repressivo, trata-se de um poder imanente, trata-se de um poder produtivo. Este poder sobre a vida, vamos chamar assim, biopoder, não visa mais, como era o caso das modalidades anteriores de poder, barrar a vida, mas visa encarregar-se da vida, visa mesmo intensificar a vida, otimizá-la. Daí também nossa extrema dificuldade em resistir. Já mal sabemos onde está o poder e onde estamos nós. O que ele nos dita e o que nós dele queremos.” (Peter Pal Pélbart)


O questionamento possível não pergunta mais como escapar ao biopoder, mas, se queremos escapar. Sem submissão ao poder não há produtividade. Sem concentração, sem boas maneiras, sem confinamento na cela da sala de aula, sem horário de entrada, intervalo e saída, sem silêncio durante a aula, sem avaliação, não teríamos sucesso na formação. Não passaríamos no vestibular. "Já mal sabemos onde está o poder e onde estamos nós. O que ele nos dita e o que nós dele queremos".

foto: Robert Doisneau

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