“estar proibido de mover-se é um símbolo poderosíssimo de impotência, de incapacidade e dor.”
Zigmunt Baumam
Michel Foucault (1926-1984) tem uma visão peculiar da escola e da educação. Para ele, a escola é mais uma das instituições que seguem o sistema panóptico. Segundo esse modelo (veja o post “O Panopticon”) desenvolvido por Jeremy Bentham, a arquitetura está a serviço de uma nova forma política que se desenvolve no século XIX, a partir de 1830, em que o poder é uma coisa difusa, cotidiana e não deve ser entendido como normalmente o conhecemos: o poder dos grandes políticos, os governadores, presidentes ou reis. Para o filósofo francês,
“(...) o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona
O poder, portanto, é exercido nas instituições, por todos que nela circulam. Na escola, o poder será exercido pelo professor, pelo diretor, os inspetores e também pelos alunos. Cada um desses exercerá uma força. Mas, pergunta-se, o que quer o poder, qual é o seu objetivo? O poder, que Foucault chamou de poder disciplinar, visa conceber o indivíduo moderno como aquele que é dócil e apto ao trabalho produtivo. A escola e a educação teriam, portanto, a função de formar não o estudante, mas o sujeito adaptado e acostumado a servir na sociedade capitalista. (Note que o panoptismo da sociedade disciplinar se estende à prisão, lugar destinado a corrigir os sujeitos desviantes da norma; ao hospital, especialmente o psiquiátrico, onde são encerrados os loucos, aqueles que não têm condições de produzir e causam dificuldades à disciplina; a fábrica, local por excelência da produção. Podemos entender que o sujeito criado na escola é treinado para ser um futuro trabalhador.)
Assim, na escola, lugar onde se estabelecem relações de força, tanto o professor quanto os alunos exercem o poder, pois este não é privilégio e monopólio de uns na escala hierárquica das instituições. “O poder entre duas pessoas é a vontade de uma delas prevalecendo sobre a vontade da outra” (Richard Sennett). Foucault chama de poder disciplinar aquele que a instituição exerce sobre o indivíduo. Este é uma “coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos”. Suas principais características são: não ocorre mais, como antigamente, a utilização do corpo como alvo das penas e castigos; privação da liberdade ao invés de execrar o corpo; cerceamento do direito de ir e vir das pessoas; o confinamento
“induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade, que assegura o funcionamento automático do poder” (Foucault).
A partir do entendimento da ação do poder difuso sobre o corpo do sujeito, Foucault atualiza o conceito de política, que ele chama de biopolítica, que está acima das noções tradicionais de ideologia e de consciência:
“O controle da sociedade sobre os indivíduos não se efetua somente pela consciência ou pela ideologia, mas também no corpo e pelo corpo. Para a sociedade capitalista é o biopolítico que importava acima de tudo, o biológico, o somático, o corporal. O corpo é uma realidade biopolítica; a medicina é uma estratégia biopolítica.”
O médico, assim como o professor, o carcereiro, o chefe de fábrica, o coronel do exército, tem poder sobre o corpo daqueles que trata. Através da submissão do corpo do paciente aos tratamentos, o médico exerce um poder de tipo disciplinar. O paciente deve dizer tudo aquilo que fez e faz pois isso pode ser importante para seu estado de saúde. Nada deve ser escondido, sob o risco do tratamento não ter sucesso. O médico adquire poder através do seu saber, seu conhecimento obtido na faculdade. Foucault diz que o médico tem um saber poder, que lhe é exclusivo e confere autoridade à sua profissão. O biopoder, não apenas da instituição, mas também dos próprios sujeitos que participam das instituições guarda aquela característica difusa, invisível no cotidiano, apresentada no começo deste texto. Ele conta também com o exame, ou seja, outro instrumento permanente de disciplina a serviço da produção de um sujeito dócil. Na escola, o exame é feito pela chamada e pela anotação das faltas, anotações disciplinares, provas, “carômetro”. Aqueles que faltam acima do limite permitido, têm anotações de má conduta, têm notas ruins nas provas estão fora da norma. A norma é uma medida criada pela biopolítica para separar quem é normal (que cabe dentro da norma) daqueles que não são, os fora-da-lei, os improdutivos, ineficientes, indóceis. Cabe ao poder disciplinador levar o maior número possível de pessoas para dentro da norma.
A biopolítica pode ser entendida assim:
“O poder já não se exerce desde fora, desde cima, mas sim como que por dentro, ele pilota nossa vitalidade social de cabo a rabo. Já não estamos às voltas com um poder transcendente, ou mesmo com um poder apenas repressivo, trata-se de um poder imanente, trata-se de um poder produtivo. Este poder sobre a vida, vamos chamar assim, biopoder, não visa mais, como era o caso das modalidades anteriores de poder, barrar a vida, mas visa encarregar-se da vida, visa mesmo intensificar a vida, otimizá-la. Daí também nossa extrema dificuldade
foto: Robert Doisneau
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