quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Panopticon

No texto a seguir, Michel Foucault explica o modelo de arquitetura comum às instituições da sociedade moderna: a prisão, a fábrica, o exército, o hospital e também a escola.



(...) Entramos assim na idade que eu chamaria de ortopedia social. Trata-se de uma forma de poder, de um tipo de sociedade que classifico de sociedade disciplinar por oposição às sociedades propriamente penais que conhecíamos anteriormente. É a idade de controle social. Entre os teóricos que há pouco citei, alguém de certa forma previu e apresentou como que um esquema desta sociedade de vigilância, da grande ortopedia social. Trata-se de Bentham. Peço desculpas aos historiadores da filosofia por esta afirmação, mas acredito que Bentham seja mais importante para nossa sociedade do que Kant, Hegel etc.


Ele deveria ser homenageado em cada uma de nossas sociedades. Foi ele que programou, definiu e descreveu da maneira mais precisa as formas de poder em que vivemos e que apresentou um maravilhoso e célebre pequeno modelo desta sociedade da ortopedia generalizada: o famoso Panopticon. Uma forma de arquitetura que permite um tipo de poder do espírito sobre o espírito; uma espécie de instituição que deve valer para escolas, hospitais, prisões, casas de correção, hospícios, fábricas etc.


O Panopticon era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas havia, segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura etc. Na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de postigos semicerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo. Para Bentham, esta pequena e maravilhosa astúcia arquitetônica podia ser utilizada por uma série de instituições. O Panopticon é a utopia de uma sociedade que atualmente conhecemos – utopia que efetivamente se realizou. Este tipo de poder pode perfeitamente receber o nome de panoptismo. Vivemos em uma sociedade onde reina o panoptismo.


O panoptismo é uma forma de poder que repousa não mais sobre um inquérito mas sobre algo totalmente diferente, que eu chamaria de exame. O inquérito era um procedimento pelo qual, na prática judiciária, se procurava saber o que havia ocorrido. Tratava-se de reatualizar um acontecimento passado através de testemunhos apresentados por pessoas que, por uma ou outra razão – por sua sabedoria ou pelo fato de terem presenciado o acontecimento – eram tidas como capazes de saber.


No Panopticon vai se produzir algo totalmente diferente; não há mais inquérito, mas vigilância, exame. Não se trata de reconstituir um acontecimento, mas de algo, ou antes, de alguém que se deve vigiar sem interrupção e totalmente. Vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder – mestre-escola, chefe de oficinas, médico, psiquiatra, diretor de prisão – e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles que vigia, a respeito deles, um saber. Um saber que tem agora por característica não mais determinar se alguma coisa se passou ou não, mas determinar se um indivíduo se conduz ou não como deve, conforme ou não à regra, se progride ou não etc. Esse novo saber não se organiza mais em torno das questões “isso foi feito? Quem o fez?”; não se ordena em termos de presença ou ausência, de existência ou não existência. Ele se ordena em torno da norma, em termos do que é normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não fazer. (...)

Michel Foucault

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