quarta-feira, 21 de abril de 2010

A obra de arte: mímesis e aura

A partir da formulação da teoria das formas, Platão estabelece o papel que cabe à obra de arte em sua República: ela é apenas uma cópia da cópia da natureza. O demiurgo, um artesão divino que tem acesso ao mundo das essências, cria a natureza a partir de cópias pioradas das formas ou ideias. Assim, uma bela montanha é uma imitação (em grego mímesis) inferior ao seu original, a ideia do Belo, um conceito imaterial, uma essência. O artista e sua obra não podem ser aceitos na cidade justa pois vivem num mundo de ilusões e não buscam, como o filósofo faz, a verdade. As artes também podem levar as pessoas a emoções extremas, como no caso da tragédia, e entram em conflito com o ideal platônico do homem moderado que domina suas emoções e tem sua vida regrada pela razão e a busca da episteme (ciência ou conhecimento). A rejeição ao poeta e aos artistas em geral pode ser entendida politicamente: ele é indesejado na polis porque atrapalha a educação dos homens equilibrados da República: o filósofo-governante, o guerreiro e o comerciante. A arte que interessa a Platão é aquela que educa moralmente os cidadãos.

A arte é aparência, enquanto as essências são o próprio Ser. A arte nos leva à ilusão de ótica causada pela perspectiva, a uma vista apenas parcial do objeto copiado. No teatro, os personagens não controlam adequadamente suas emoções; na música também há mímesis de emoções e sentimentos. A arte é considerada um fantasma que engana velhos e crianças; as imagens, mesmo sem essência, têm força e poder, ameaçam a razão, trazem à tona o irracional do homem e levam por fim ao perder-se de si mesmo, à dor e à aflição, são consideradas piores que o mundo da sensibilidade, que sabemos é inferior ao mundo das ideias ou essências. Podemos perceber que o modo platônico de entender a obra de arte, o artista e seu lugar no mundo chega à contemporaneidade sob a forma de resquícios, com algumas características preservadas e outras já abandonadas.

Outro modo de entender a obra de arte é trazido por Aristóteles. A mímesis ressurge como uma tendência natural humana e animal: é um instinto que leva ao prazer e também ao conhecimento. É um meio rudimentar de aprender, mas ao imitar imagina-se e compara-se e usa-se a razão, é ao mesmo tempo intelectual e sensível. Já para o publico observador, a obra traz prazer de tipo intelectual, semelhante ao conhecer, que aumenta à medida que original e imitação/obra são mais semelhantes.

Para Aristóteles a obra é aparência, não é totalmente verdadeira e nem é apenas ilusão, está a meio caminho de existir e não-existir e a ligação entre esses dois estados é a verossimilhança. Assim, quando faz um quadro, o pintor procura não imitar a realidade de um indivíduo, mas a realidade de toda a espécie à qual pertence o indivíduo. Por exemplo, no retrato de um cavalo o artista não deve retratar aquele cavalo que está à sua frente, mas um cavalo que representa a espécie dos cavalos como um todo. Falhas dos indivíduos são corrigidas nas obras de arte. O artista não imita o que é contingente (o individual), mas ele faz o que é essencial e necessário (a espécie). Aristóteles também considera que a tragédia é elevada, pois aproxima-se do essencial dos sentimentos e emoções humanos e será superior à história, que é contingente, circunstancial e singular. A poesia e a arte estão mais próximas da filosofia que a história.

De qualquer modo, a arte até meados do século XIX e começo do século XX preserva sua característica de ser “espelho da natureza”, mímesis de objetos naturais. Podemos especular sobre quais os motivos que levaram à transformação da arte, ou à suposta superação da arte como mímesis.

Com o estabelecimento da fotografia em 1888, a pintura sente-se ameaçada pois os retratos feitos por um fotógrafo são mais fiéis do que aqueles feitos à mão. A saída surge no movimento impressionista, que desiste da pintura figurativa e passa a realizar a arte abstrata, que deixa de representar os retratados e se atém às emoções. Desse modo, a arte supera a necessidade da mímesis. Outro exemplo de arte não-mimética é o ready-made de Marcel Duchamp, a partir de 1912. O artista pega um urinol e o coloca em uma galeria de arte em exposição. A partir deste momento a obra de arte é aquilo que o artista disser que é arte. Passa-se então da imitação à obra conceitual, que não busca paralelo ou retratar a natureza. A obra existe em si mesma e refere-se a si mesma, descartando mesmo sua ambição de ser bela. Na arte contemporânea encontramos consequências deste ato de Duchamp, uma delas é a arte da performance, a arte feita com o corpo. Mas cabe ressaltar que ainda existem muitas obras atualmente que fazem uso da mímesis, o retrato da natureza.

Além disso, cabe perguntar se a fotografia é ou não uma arte mimética. Ou até mesmo se é uma arte.

Uma importante inovação na arte surge a partir da Revolução Industrial. A chegada do cinema, da fotografia e da música gravada leva a uma nova era, que Walter Benjamin chamou de era da reprodutibilidade técnica, que afetou o modo de fazer arte e o modo como o público recebe a obra de arte. Primeiramente, a obra técnica é feita por muitas pessoas, técnicos e artistas, e será vista por muitas pessoas. A obra da era anterior à indústria era feita pelo artista e vista por poucas pessoas pois ficava restrita aos visitantes de uma cidade a um museu por exemplo. Benjamin fará uma distinção que ele chamou de aura: a obra aurática é a feita manulmente por um artista e a sem aura é a produzida e reproduzida tecnicamente, ou seja, precisa de máquinas para existir. A obra de reprodutibilidade técnica descarta a idéia de original, pois não há diferença entre duas cópias de um mesmo filme negativo. O mesmo vale para um filme ou para uma música gravada. Já a cópia de uma obra aurática é considerada uma falsificação. Assim, podemos dizer que o teatro, a pintura, a escultura, o ballet e a performance são obras auráticas e o cinema, a fotografia, a vídeo-arte são obras sem aura. Mas, sobre a música, trata-se de obra aurática ou não?

2 comentários:

  1. O QUE LEVA UMA PESSOA A VIRAR PROFESSOR DE FILOSOFIA ???
    =-)

    ResponderExcluir
  2. Como sempre, não existe uma resposta simples e conclusiva.
    Dizem que não é possível "virar" professor de filosofia ou "virar" filósofo, pois, algumas pessoas nascem assim.
    Desde crianças nós já tínhamos essa diferença e o curso de filosofia apenas nos fez recordar aquela reminiscência esquecida.

    Ou “vira-se” professor de filosofia para mudar o mundo, que o mundo vire alguma coisa melhor.

    ResponderExcluir