domingo, 24 de outubro de 2010

Freud no Mundo de Sofia 3

natural e fundamental do homem. E então, minha cara Sofia, surge um conflito entre prazer e culpa que durará toda a vida.

- Não achas que esse conflito se atenuou desde o tempo de Freud?

- Certamente. Mas muitos dos pacientes de Freud viviam-no tão intensamente que desenvolviam aquilo a que Freud chamou “neurose”. Uma das suas pacientes, por exemplo, estava apaixonada pelo cunhado. Quando a irmã morreu devido a uma doença, ela pensou: "Agora ele está livre e podemos casar!" Este pensamento entrou naturalmente em contradição com o superego. Era tão monstruoso que ela o recalcou, como diz Freud. Quer dizer que ela o empurrou para o inconsciente. Essa moça adoeceu e apresentou graves sintomas histéricos, e quando Freud se encarregou da cura, verificou-se que ela se tinha esquecido completamente da cena junto ao leito de morte da irmã e do desejo horrível, egoísta, que emergira nela. Mas durante o tratamento recordou-o, reproduziu aquele momento patogênico e ficou curada.

- Agora compreendo melhor o que queres dizer com "arqueologia psíquica".

- Então vou tentar fazer uma descrição geral de mente humana. Após uma longa experiência na cura dos doentes, Freud chegou à conclusão de que a “consciência” constitui apenas uma pequena parte da mente humana. A parte consciente é comparável à ponta de um iceberg que vemos sobressair da água. Sob a superfície da água, - ou sob o limiar da consciência - há o “inconsciente”.

- Então o inconsciente é tudo aquilo que está em nós, mas que esquecemos ou não recordamos?

- Não temos sempre presentes na consciência todas as nossas experiências, mas tudo o que pensamos ou vivemos e que nos vem à mente se "pensarmos um pouco", foi designado por Freud "pré-consciente". O termo inconsciente foi usado por Freud apenas para aquilo que recalcamos, ou seja, as coisas que queremos esquecer por serem desagradáveis, indecentes ou repugnantes.

Se temos desejos ou vontades que são intoleráveis para a nossa consciência – ou para o super-ego, - empurramo-los para o rés-do-chão. Fora com eles!

- Compreendo.

- Este mecanismo funciona em todas as pessoas sãs, mas manter longe da consciência os pensamentos desagradáveis ou proibidos exige tal esforço que provoca problemas nervosos. Aquilo que é recalcado tenta reemergir por si na consciência, de forma que cada vez mais energia tem de ser usada para manter os impulsos desse gênero longe da consciência. Quando Freud deu lições sobre a psicanálise em 1909 nos EUA, explicou com um exemplo simples o funcionamento deste mecanismo de recalcamento.

-Conta!

- Ele disse aos ouvintes: "Imaginemos que nesta sala se encontra um indivíduo que me perturba e distrai rindo de um modo insolente, falando e batendo com os pés. Declaro que assim não posso continuar a conferência e, nessa altura, alguns homens robustos levantam-se e depois de uma breve luta lançam fora o importuno. Ele é assim "removido" e eu posso continuar. Para que não haja mais distúrbios, caso o indivíduo tente entrar novamente na sala, os homens que executaram a minha vontade põem as suas cadeiras à porta, feita a remoção, e ficam lá como "resistência". Se imaginarmos a sala como o consciente e o corredor como o inconsciente temos uma boa imagem do processo de recalcamento."

- Eu também acho que é uma boa imagem.

- Mas o indivíduo quer voltar a entrar, Sofia. Isto é o que acontece, pelo menos com os pensamentos e os impulsos recalcados: vivemos sob uma "pressão" constante devido aos pensamentos recalcados que tentam emergir do inconsciente. Por esse motivo, dizemos ou fazemos freqüentemente coisas sem querer e, deste modo, as reações inconscientes dominam os nossos sentimentos e as nossas ações.

- Podes dar-me um exemplo?

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