domingo, 24 de outubro de 2010

Freud no Mundo de Sofia 4

- Freud descreve muitos destes mecanismos. Por exemplo, aqueles a que chamou "atos falhados", quando dizemos ou fazemos coisas que tentamos recalcar. Ele dá o exemplo de um empregado que ia brindar ao seu chefe, que não era muito popular. Ele era aquilo a que se pode chamar "um sacana".

-E o que aconteceu?

- O empregado levantou-se, elevou o seu copo solenemente e disse: "Convido-vos a arrotarem pelo nosso chefe."

- Não tenho palavras.

- O empregado também não. Na realidade tinha apenas dito aquilo que pensava sem a intenção de o dizer. Esta expressão involuntária de sinceridade era um lapso, ou seja, uma troca de palavras devido à semelhança. Em alemão – não te esqueças de que Freud era vienense - o verbo “anstossen”, "beber à saúde", é muito semelhante a “aufstossen” que significa entre outras coisas "arrotar". Queres ouvir outro exemplo?

- Sim.

- A família de um pastor, que tinha muitas filhas boas e amáveis, esperava a visita de um bispo. Acontece que este bispo tinha um nariz extremamente grande e por isso foi imposto às moças não fazerem comentários sobre o seu nariz. Porém, acontece muitas vezes que as crianças deixem escapar alguma coisa, porque o seu mecanismo de recalcamento ainda não está muito desenvolvido.

- E então?

- O bispo chegou e as moças esforçaram-se o máximo para não dizerem nada sobre o nariz. E mais ainda: tentaram nem sequer olhar para o nariz; tinham de tentar esquecê-lo. E pensavam nisso o tempo todo. Mas quando uma das filhas menores serviu o açúcar para o café, pôs-se em frente do austero bispo e disse-lhe: "Quer um pouco de açúcar no nariz?"

- Embaraçoso.

-Por vezes, também “racionalizamos”, ou seja, damos a nós e aos outros, para justificarmos aquilo que fazemos, motivos diferentes da verdadeira causa, precisamente porque a causa real é desagradável.

- Um exemplo, por favor.

- Eu posso hipnotizar-te e fazer com que abras a janela. Ordeno-te portanto que te levantes e abras a janela quando eu bater com os dedos na mesa. Depois pergunto-te por que razão abriste a janela. Talvez me respondas que abriste a janela porque achaste que estava calor. Mas esse não é o verdadeiro motivo: não queres admitir para ti mesma que fizeste uma coisa por minha ordem, sob hipnose. Neste caso estás a racionalizar, Sofia.

- Compreendo.

- Quase todos os dias acontece comunicarmos, por assim dizer, com sentido duplo.

- Eu falei do meu primo de quatro anos. Não me parece que tenha muitas crianças com quem jogar, pelo menos fica muito contente quando o vou ver. Uma vez disse-lhe que tinha de me apressar para voltar a casa e sabes o que me respondeu?

-Diz!

- "Ela é estúpida", disse ele.

- Sim, isso é verdadeiramente um exemplo do que entendemos por racionalização: o rapaz queria dizer que segundo ele era estúpido que tivesses que te ir embora, mas não queria admiti-lo. Por vezes, acontece também que "projetamos".

-Traduz.

-Quando projetamos, transferimos para outras características nossas que tentamos recalcar. Uma pessoa muito avara, por exemplo, está inclinada a dizer que os outros são avaros. Uma outra pessoa que não quer admitir para si mesma ter interesse por sexo, será talvez a primeira a irritar-se porque os outros têm fixação pelo sexo.

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